O DESAJUSTADO QUE VOLTA PARA A FAMÍLIA NO NATAL*

“Fomos ao culto de Natal, todo mundo enfiado no carro. Vimos as estrelas enquanto nos refugiávamos sob a tenda no pátio da Igreja. Haviam canções lindas, comidas deliciosas, mas nunca ouvi realmente o que o pastor dizia.”

Lucas pinduca
5 min readDec 24, 2023

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Se ao longo dos anos, a nossa relação com o Natal sofreu uma evolução drástica e hoje o seu significado parece estar mais profundamente enraizado numa tradição perpetuada pela marca do passado do que pelo entusiasmo do presente, a frase acima, colhida em alguma conversa pelas ruas, mostra claramente porquê.
E a menos que você tenha o tipo de família onde todos seguiram o mesmo caminho, uma festa de Natal se resume a pegar pessoas que têm vidas diferentes, mundos diferentes, e juntá-las em um mesmo lugar para orarem ao pequeno Jesus na manjedoura para que tudo seja festivo e não muito estranho.
Para você que se sente um pouco fora do contexto em todas as festas de fim de ano, aqui vão algumas dicas para sobreviver a esse período nem sempre tão festivo.
Primeiro entenda de uma vez que não há problema em estar numa encruzilhada, não estar na fase mais gloriosa da sua vida. Não há problema em estar perdido. Tudo bem não chegar com 14 boas notícias para anunciar a todos. Não há problema em não ter uma longa lista de realizações do ano passado e estar pronto para recitá-la freneticamente para qualquer um que se atreva a perguntar como você está. Existem milhões de maneiras de se vender… E eu garanto que você irá ouvir falar sobre elas. Inventar seu próprio significado de vida não é fácil…, mas ainda é permitido… e eu acho que você irá ficar feliz pelo trabalho.
Não esqueça que a amizade e o prazer de estar juntos terão triunfado sobre o consumismo desta época, e até mesmo, essa “realidade crua que faz você se encaixar nos moldes”, se forem devidamente exercitadas e apreciadas, criando uma vida que reflete seus valores e que satisfaça sua alma, algo que é raro conquistar em uma cultura que implacavelmente promove a avareza e excessos como uma boa vida… uma pessoa feliz fazendo seu próprio trabalho é geralmente considerada excêntrica, se não subversiva.
Eu sei que você está com os olhos cansados. Você não tem mais orientação do que um GPS desatualizado, você anda em círculos. Nada mais de extraordinário há na terra dos falsos campeões. Sua bateria chegou ao fim do ano. Mas irão falar para você de inúmeras maneiras, algumas sutis outras nem tanto, para continuar subindo… e nunca ficar satisfeito com o lugar que você está, quem você é e o que você está fazendo!
Você se questionará, se comparará com as pessoas ao seu redor. Eles não parecem mais felizes do que você de qualquer maneira, isso te deixa feliz? Ambição é somente compreendida se for para subir ao topo de alguma escada de sucesso imaginário. Alguém que pega um trabalho pouco exigente para sobrar tempo para perseguir outras atividades e interesses é considerado descompromissado. Uma pessoa que abandona a carreira para ficar em casa e cuidar das crianças é considerada como se não vivesse o inteiro potencial humano. Como se cargo e salário fossem as únicas métricas do valor humano.
Todo mundo corre um pouco na vida. É um fato. Tente ver os membros de sua família com amor e compaixão. Talvez suas lutas não estejam tatuadas em suas testas, mas eles também são vulneráveis. Todos nós somos. O irmão do pródigo também era.
No entanto, você se sente culpado quando está muito ocupado e quando não está ocupado o suficiente com a sua busca de… VOCÊ CORRE EM DIREÇÃO À SUA PRÓXIMA PAIXÃO, ESPERANDO POR ALÍVIO. VIVER SUA VIDA EM AÇÃO É A ÚNICA BOA MANEIRA DE EXISTIR. Foi o que eles disseram? Prefiro o comentário do William Shakaspeare: “Em nossas loucas tentativas, renunciamos ao que somos por aquilo que queremos ser”.
Então, você não pode vencer, ao que parece. Você está ocupado, mesmo quando não está fazendo nada. Por que é isso que dizem os grandes sábios da nossa era: “finja até conseguir” (“fake it till you make it”). Este conceito diz que devemos nos comportar como se já tivéssemos alcançado o objetivo desejado. Você atrai coisas bonitas quando cuida da sua imagem. Então você se cerca de pessoas de sucesso, das maiores conquistas… sabemos que o filho pródigo tentou isso e não deu certo, pois no fim das contas, quando a realidade criada na sua mente não corresponde, você acaba sempre com as bolotas de porco, percebendo a falta daqueles com quem você se sentiu bem na vida real, e não apenas nas fotos.
E descobre que talvez a felicidade não seja encontrada onde pensamos. Fingindo rir alto em todas as redes sociais, com aquela abundância de dentes brancos demais. Você precisa sair da sua zona de conforto, você é um ser notável com um caráter que deve guiar suas atitudes, e não as circunstâncias a sua volta. E nada é mais forte do que passar na vida por um momento desconfortável para entender isso.
Ser confrontado com a verdade real não é o que você aprecia? Porque se deseja viver uma nova vida precisa saber que isso pode confrontá-lo com muitas coisas que estavam erradas na antiga, e que você vai se culpar. Você desperdiçou parte da sua vida ou pelo menos não a viveu da maneira que poderia. Você viveu sua adolescência como adulto, mas não tem o direito de cometer os mesmos erros, você agora é um homem. Isso quer dizer que não podemos escapar da miséria do mundo, nem do papel que nele desempenhamos, conscientemente ou não. “ESSE VIÉS DE NEGATIVIDADE SIGNIFICA QUE SENTIMOS A DOR DA REPRIMENDA COM MAIS FORÇA DO QUE A ALEGRIA DO ELOGIO”. Ponto para o pai do pródigo!
E fica pior quando sabemos que o cérebro humano muitas vezes só é calibrado para reter o pior e minimizar cruelmente o melhor. O cérebro foca no negativo porque identifica o “negativo” como uma ameaça em potencial. A princípio, isso acontece porque o cérebro é bastante perceptivo para tudo que se apresenta fora do padrão, errado, contrário às expectativas ou atípico.
Essa propensão é chamada de “viés negativo” — ou “assimetria positivo-negativo” — e consiste, como explica a página Very Well Mind, em “não apenas registrar estímulos negativos com mais facilidade, mas também em persistir nesses eventos”.
Portanto, vai levar um tempo para que esta assimetria se equilibre e para que o excesso de mal permita que o bem que experimentou durante este ano que passou também venha à tona. E quem sabe você não acabe por lembrar da maneira amorosa que a sua família ou seu pai cuidava de você?
Por fim, você precisa estar tão em paz com suas escolhas que não se sinta obrigado a se justificar, nem para eles nem para si mesmo. Afinal, todos temos um pouco de filho pródigo, algum desajuste social, que nos faz desejar voltar para a casa do pai e encontrá-lo de braços abertos, não é mesmo?

* Parábola do filho pródigo: https://www.bibliaon.com/versiculo/lucas_15_11-32/

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Lucas pinduca

Part cultural voyeur mixed with a splash of aspiring behavioral scientist & wannabe motivational writer. https://linktr.ee/lucaspinduca - ko-fi.com/lucaspinduca